terça-feira, 25 de janeiro de 2022

O Ano Em Que A Terra Parou

 

Um pouco de poesia para vocês refletirem, mais um de meus textos:

O ano em que a Terra parou

Meu coração sempre bateu mais forte do que os demais, num ritmo, além de acelerado, um tanto quanto fora do compasso, arritmia cardíaca. Palpita, freneticamente, na métrica do caminhar da sociedade, com passos afoitos, digitalizados, que passaram por todos os lugares do mundo.

Não somos iguais, mesmo que muitos de nós não olhem para as estrelas. E há menos entre o céu e a Terra do que qualquer astrônomo ou mesmo Shakespeare queira imaginar. Não. Falta, e sempre faltou, em qualquer tempo, poesia no mundo. Da mais trivial àquela que dá sentido a nossa existência, que reluz, quando a energia vital parece perder as esperanças de que a humanidade caminha a um precipício.

Quando era mais jovem, e os simulacros da sociedade se revelavam, apenas, como uma miragem em um deserto, a minha vitalidade trazia luz aos meus olhos de maneira a me fazer acreditar no movimento do Planeta, e que eu era parte dele. Nesses momentos, em que o profetizado estava na ponta da língua, eu me lançava, em minha incompreendida inconsciência, num futuro mais conhecido e certo do que hoje me encontro, como algo maior do que era, eu e a Terra estávamos em sincronia.

No ano em que a Terra parou, nós nos encontramos novamente. A nossa fluidez me tirou de minha própria órbita, de meu próprio eixo. Habitava, sozinho, Marte, terra do fogo e da guerra, do herói que me salvou de mim mesmo, mas, depois, estava dentro daquele Planeta. Todos parados, meses de confinamento. Não era mais feito do cálcio das estrelas, pó estelar, mas de poeira.

Mas nos desencontramos, ambos desajustados, um diacrônico do outro, mas a Terra com menor impacto de mim, cuja revolução começou na busca por algo interno, em seu próprio âmago, já que ela, não como ambiente, mas como sujeito, sempre protagonizou o papel do outro que se nega, diferente do outro que nos constitui, do além de seu próprio globo, para lá de qualquer planeta, de qualquer sistema solar; algures e desconhecida como uma memória perdida.

Suspenso com todo tipo de matéria, quando a Terra parou, eu me tornei um universo inteiro, no sentido mais vazio que isso possa implicar, desabitado de qualquer esperança de vida intra ou extraterrestre, uma abstração humana sem recursos ou imaginação, que não poderia chegar muito longe de si mesma.

Surgiu um buraco negro em mim, que mudou a trajetória de minha atuação na vida, da atração dramática para a ficção científica, em que teorias mirabolantes são criadas para gerar audiência e trazer um pouco de ação. Uma tentativa de sabotagem da própria falta de movimento, para um me lançar a outra dimensão...

Um bilhete, de valor incalculável, somente de ida, em uma nave espacial, para uma jornada desconhecida, congelada no espaço, há mais de sem anos luz de mim mesmo. O ano em que a Terra parou foi o ano que virei audiência, e deixei o papel coadjuvante de mim mesmo, bem como todos os papéis que encenei e que me perpassaram ao longo dos espetáculos que a humanidade promoveu.

Ignoto, e desconhecido como em um pesadelo, do qual a nossa mente nos protege de recordar. Este ano são três em um, e o atual, que nem começou, ainda é reflexo da falta de movimento do segundo. E o primeiro, nem o tempo pode dizer. Tempo, espaço e infinito. A fórmula do meu desespero. Nunca me vi tão banal em um ano. Sempre acreditei na vida como tudo aquilo que é movimento. E a vejo parar, dentro e fora de mim, em um sucumbir apocalíptico, premeditado, como o Nostradamus que existe em todos nós, mas termina em acidente.

Anderson Hander Brito Xavier




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